segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Sebastiao Salgado 3


Um comentário:

Marcos Vieira disse...

A fotografia e a arte fotográfica

por Fábio Bito Caraciolo

Quando penso em fotografia lembro-me perfeitamente do meu primeiro dia de aula, quando o professor explicou o que todo mundo explica: "Como o próprio nome diz, fotografia é a escrita com a luz". Esse tipo de coisa fica marcado mesmo na cabeça da gente, por ser óbvio demais, e por ser a pura verdade.

Não sei exatamente qual foi a data, mas certamente foi numa sexta-feira de 2002, quando eu percebi uma coisa que mudou todo o meu jeito de pensar: fotografia não é arte. Tá bom, muitas pessoas devem ter deixado de ler este ensaio, jogado o papel no lixo ou fechado a janela na internet, mas estas pessoas não aceitam a verdade: fotografia não é arte. Desculpe repetir assim, tão exaustivamente, mas é que acho que a compreensão disso é tão importante que deve ser dito novamente: fotografia não é arte.

Sim, mas se estou dizendo isto, tenho uma boa razão para comprar uma briga com milhões de artistas. E qual é essa razão? Digo sempre que é tão simples quando o próprio processo fotográfico. A fotografia é um método, ou um meio de expressão. A fotografia é, de fato, uma ferramenta que usamos para expressar alguma coisa, como uma língua, por exemplo.

Assim como numa língua, num idioma, os elementos que compõem uma fotografia estão ali e só precisam ser arrumados de tal maneira (com conhecimento sintático) e temos uma frase fotográfica, ou uma fotografia mesmo. Acho que ficou complicado, mas vamos seguindo, explico melhor.

Num idioma, cada letra e cada palavra são colcados de uma maneira específica para produzirem uma expressão linguística. No caso da fotografia, os brometos de prata e a lente e o diafragma também são colocados, guardando as devidas proporções, e produzem uma expressão. E isto não tem nada de artístico porque pode ser uma expressão qualquer. Esta é uma técnica que podemor aprender, sejemos criativos, geniosos, geniais ou não. Afinal de contas, somos mamíferos! Todo mamífero, seja ele um camundongo, um homem ou uma baleia azul, tem a capacidade de aprender, recordar e passar para seu semelhante o aprendido.

Aprendemos a técnica do Português con uns 5 ou 6 anos, num curso chamado de Alfabetização. Já a técnica da fotografia não aprendemos tão cedo, nem tão facilmente. Tem que correr atrás ou dar sorte de ter uma família de fotógrafos.

Depois que aprendemos a técnica, começamos a reproduzir, a experimentar. Os promeiros textos, assim como as primeiras fotos, geralmente saem com alguns problemas. Erros de concordância verbal, erros de exposição à luz, erros de significados de palavras ou erros de enquadramento do assunto são frequentes. Mas depois vamos desenvolventdo, evoluindo e chegando a um grau de conhecimento e domínio da técnica que podemos fotografar sem estar com a câmera na mão ou enviar um texto sem revisar. No final das contas é tudo uma questão de prática. Mas mesmo assim para ser arte, precisa de um pouco mais do que o domínio da técnica.

Me recordo de ter visto num filme qualquer dia destes uma história que explica bem o que tento dizer. A história diz que, um dia, um menino de 14 anos encontrou um velho pianista famoso. O menino sentou-se ao piano e tocou perfeitaente, sem olhar para as partituras, uma das peças mais complexas de que se tem conhecimento e sem cometer um erro sequer. Quando terminou, exibia um sorriso de orelha à orelha e esperou para ouvir o que tinham para dizer. O velho se aproximou e falou: "Você toca muito bem piano, agora quero ouvir você tocar música".

Sacaram? Pois é. A técnica, o método, não é a arte em si. Para ser arte o objeto precisa atender a cinco requisitos, eu poderia dizer. O primeiro deles é a estimulação dos sentidos. Tato, audição, visão, olfato e paladar devem ser sensibilizados a partir do objeto. Se há este poder de sensibilização, já cai no segundo requisito que é o de provocar emoção. Pode até parecer repetição, mas não é. A emoção acontece depois da sensibilização e da identificação com algum aspecto daquele objeto. Uma musica tem que ser bem tocada, um quadro, bem apresentado. Este segundo requisito tem a ver com o existente diante do receptor.

O terceiro requisito é o que atende à uma questão intelectual. O assunto, a expressão precisa fazer sentido, ter um valor simbólico, e isto leva para o quarto requisito, que é carregar significação pessoal e coletiva. A obra de arte não deve falar apenas de um momento específico, mas de toda uma lógica social, mesmo que de forma superficial. O objeto artístico reflete uma realidade que supera um momento apenas e se estende por um período histórico. Por fim, o quinto requisito o da organização estética. Toda obra de arte carece de uma série de características próprias, que vão da utilização das formas e cores até o tipo de assunto tratado. A estética é justamente a reunião destas características colocadas harmoniosamente, produzindo um resultado “belo”, que não quer dizer bonito. A beleza, como diz Santo Agostinho, é o “Splendor ordinis”, ou seja, o esplendor da ordem. “A beleza não é a ordem em si, mas o esplendor. Quando a ordem “brilha”, ai está a beleza, e ai, com certeza a arte”, como explicou padre Irala.

As mais belas palavras se transformam em arte numa poesia, cheia de significados. As notas musicais se transformam em arte quando tocadas com o coração, numa melodia e ritmo próprios. E a fotografia é arte quando carrega uma subjetividade grande, um sentido diferenciado. Costumo dizer que uma fotografia artistica não é aquela tecnicamente perfeita. Além disto, ela precisa ser conceitualmente complexa. São imagens que são capazes de mudar o mundo, de falar do mundo e salvar uma alma.

As fotos não artisticas, documentais apenas, são como bilhetes no canto da folha ou regulamentos de corridas de cachorro. Têm lá a sua graça e sua beleza (quem vai saber?), mas dificilmente chegarão ao Louvre. E o que isso quer dizer? Ou melhor, o que eu quero dizer com tudo isso?

Bem, quero dizer que a técnica é como uma semente seca. Precisa ser regada e plantada para crescer e se transformar em arte. E não pode ser uma semente pobre, uma semente fraca, precisa ser bem formada e fundamentada para dar o que preste. Quando você aprende fotografia, te ensinam uma técnica e esperam que você faça o resto, que você crie alguma coisa com isso.

E esta é grande vantagem de ser humano no mundo. O ser humano é o único mamífero que tem o potencial para criar, recriar, inventar e reinventar as coisas e torná-las artísticas. O resto? o resto não faz arte e pronto. Macacos, cachorros, ursos e outros bichos podem até pintar quaros, dançar ballet, fazer retrato de gente ou andar de bicicleta, mas não conseguem atribuir um significado cultural a isso, portanto, não fazem arte. E só poderão ser conclamados como artistas aqueles com o título de "ser humano".

Fábio Bito Caraciolo
http://www.fabiocaraciolo.com.br | bitot@uol.com.br
fotógrafo e estudante de jornalismo.